quinta-feira, 20 de julho de 2017

Encontro já é despedida






Gosto muito da música Encontros e Despedidas. Interpretada por Elis Regina, aí nem se fala... 
Como professora de português, não consigo evitar, no entanto, a análise linguística da letra. rs Até porque, na verdade, a criação deste blog é justamente para debater essas questões.

Comecemos pelo título. Imagine que a conjunção "ou" é que estivesse unindo essas palavras de sentidos opostos, como o "Ser ou Não ser, de Hamlet. Só que, no caso da pergunta do príncipe dinamarquês, a conjunção alternativa era a única possível  no contexto, já que o nobre rapaz estava diante de um dilema.  No caso da música, a conjunção "ou", embora coerente com a semântica das palavras que ligaria, surtiria na música o seguinte efeito: na estação, só há uma situação: ou de encontro, ou de despedida. Aí nada a ver, certo? rs

A conjunção aditiva que une "encontros e despedidas" ativa no leitor algumas leituras possíveis. Primeira: encontros e despedidas são situações que acontecem no mesmo espaço: pessoas vão e vem, vem e vão. A outra reflexão é mais complexa,:  tudo é e não é. É tudo junto mesmo, unido no mesmo caldo. O sal e o açúcar, a dor e a alegria, o bem e o mal, o encontro e a despedida. Quem é que consegue evitar no instante mesmo do encontro com aquela pessoa especial o pensamento, ainda que remoto: a hora da despedida virá?  

O refrão é todo trabalhado com a ideia dessas oposições que se juntam: 
"Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar 
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar" 

E que sacada do autor da canção, hein? Milton Nascimento!  Grande! Se ele tivesse usado, em vez de "e", a conjunção "mas", no verso "Tem gente que vem e quer ficar", a música teria perdido muito de sua sutileza: primeiro, porque o "mas" é argumentativo demais, e música não é texto de redação do Enem, rs. Segundo, porque a conjunção  "e" é liquida, ela flui no verso, ela é que nem onda, pra lá e pra cá, pra lá e pra cá...

Outra coisa interessante: o uso reiterado do  hiperônimo "gente", ampliando a ideia de anonimato, de conjunto, de generalização da ideia de que, na estação, seja para mim, seja para você, para ele, para ela, há sempre essa sensação de encontro e de despedida. Sem falar no aspecto sonoro: "tem gente que" não lembra o barulho do trem partindo e chegando?

Ou será que viajei?rs